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Turismo espiritual em Portugal: o impacto silencioso nas comunidades locais

Peregrinações e retiros espirituais estão a transformar aldeias e cidades portuguesas, gerando oportunidades económicas e desafios sociais.

Mariana Duarte Coelho Mariana Duarte Coelho Jornalista de Viagens, Lifestyle, Entretenimento e Esportes | Porttugal
6 Minutos
2025-05-05 14:41:00
Turismo espiritual em Portugal: o impacto silencioso nas comunidades locais

Há um fenómeno silencioso a transformar aldeias e cidades por todo o território português: o turismo espiritual. Num tempo em que cada vez mais pessoas procuram experiências de introspecção, cura e reencontro com o sagrado, destinos como Fátima, Braga e Tamera tornaram-se paragens obrigatórias de uma jornada que vai além do simples acto de viajar. Mais do que fé, muitos destes visitantes procuram sentido. E Portugal tem-lhes oferecido isso — de braços abertos, mas também com desafios por resolver.

Estudos recentes do Turismo de Portugal revelam que, só em 2023, cerca de 12% dos turistas estrangeiros no país identificaram motivações espirituais ou religiosas como parte central da sua visita. Esta tendência, que mistura turismo, património e espiritualidade, mostra um crescimento de 38% em relação a 2019, ano anterior à pandemia.

O nome Fátima ecoa para lá das fronteiras portuguesas. Todos os anos, milhões de peregrinos — estimam-se mais de seis milhões — rumam à Cova da Iria, movidos pela devoção à Nossa Senhora de Fátima. O santuário, coração vibrante do turismo religioso no país, não só tem impulsionado a fé, como também revitalizado a economia local. As lojas de artigos religiosos, os pequenos hotéis familiares e os restaurantes típicos conhecem ali o seu sustento.

A autarquia de Ourém estima que o turismo religioso gere anualmente mais de 60 milhões de euros em receitas directas. Eventos como o 13 de Maio e o 13 de Outubro concentram milhares de fiéis em vigílias e procissões que ocupam toda a região centro do país.

Mas nem tudo são rosas. A pressão sobre a infraestrutura urbana, a descaracterização da vivência local e a tentação do lucro fácil têm gerado preocupações entre autarcas e moradores. “É um equilíbrio delicado entre acolher e preservar. Fátima é um lugar sagrado, mas também é a nossa casa”, partilhou Maria João, comerciante local há mais de duas décadas.

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Mais a norte, Braga ergue-se como um dos centros espirituais mais antigos e fervorosos da Península Ibérica. As procissões da Semana Santa são verdadeiros palcos de religiosidade e tradição, atraindo não apenas crentes, mas também curiosos e estudiosos. O Santuário do Bom Jesus do Monte, património mundial da UNESCO, é visita obrigatória de qualquer itinerário espiritual.

Segundo dados da Câmara Municipal de Braga, mais de 1,2 milhão de turistas visitaram o concelho em 2023, sendo que 30% indicaram motivações religiosas. Além do impacto directo na hotelaria, destaca-se o aumento da oferta de visitas guiadas temáticas, concertos litúrgicos e experiências de meditação guiada.

Porém, como sublinha o professor António Saraiva, sociólogo na Universidade do Minho, “o crescimento do turismo religioso tem de ser pensado de forma estratégica, sob pena de desvirtuarmos o que torna Braga autêutica”. De facto, o aumento da sazonalidade turística e a sobrecarga dos serviços municipais são desafios reais, que exigem mais do que boa vontade — exigem planeamento.

Se há um lugar onde espiritualidade e ecologia caminham de mãos dadas, esse lugar chama-se Tamera. Localizada perto de Odemira, esta comunidade intencional, nascida em 1995, acolhe todos os anos centenas de pessoas em busca de uma nova forma de viver e sentir. Ali, fala-se de amor livre, regeneração da terra e reconciliação com a natureza — tudo envolto num profundo sentido de espiritualidade não convencional.

Tamera acolheu mais de 3.000 visitantes em 2023, provenientes de mais de 40 países, para participar em programas que vão desde retiros de silêncio até à formação em bioconstrução e permacultura. Os residentes locais relatam um impacto positivo na dinâmica da região, com novas oportunidades de colaboração económica, educacional e cultural.

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“Trouxeram vida, novas ideias e respeito pelo que é nosso”, diz Joaquim Teles, agricultor na vizinhança. A comunidade também tem colaborado com escolas locais em projectos pedagógicos e iniciativas ambientais.

É inegável que o turismo espiritual tem criado oportunidades económicas importantes, sobretudo em territórios de baixa densidade populacional. Novos empregos, investimento em infraestruturas e renovado interesse pelas tradições locais são apenas algumas das vantagens visíveis.

Mas também há riscos. A gentrificação de certas zonas, a pressão sobre os recursos naturais e a transformação — nem sempre bem-vinda — das dinâmicas sociais exigem vigilância e sensibilidade. O turismo, quando mal gerido, pode rapidamente transformar bênçãos em fardos.

É por isso essencial que autarquias, comunidades locais, operadores turísticos e investigadores caminhem lado a lado, com um plano claro, ético e sustentável. O turismo espiritual em Portugal pode ser um exemplo para o mundo — mas só se for feito com alma, cabeça e coração.