O Renacer dos Armazéns Portuários
No coração da zona ribeirinha de Lisboa, a Alfândega Nova voltou a ganhar vida com o LX Residências, um programa que acolhe artistas emergentes em antigas salas de carga e descarga. Inaugurado em outubro de 2023 pela Direção-Geral das Artes em parceria com a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, o espaço já recebeu mais de vinte criadores, vindos de países tão diversos como Espanha, Brasil e Coreia do Sul. Entre eles, destaca-se a artista plástica Marta Ferreira, que instalou na antiga doca de carvão uma série de esculturas sonoras inspiradas nas marés do Tejo.
A norte, em Matosinhos, a DocaArts ocupa três silos desativados na Doca de Leixões, transformados em estúdios modulados pela Fundacão Calouste Gulbenkian. A diretora do projeto, Sofia Almeida, explica que a escolha do local surge da vontade de preservar a memória industrial portuária e fomentar a interdisciplinaridade: "Aqui, convive-se com a matéria-prima bruta, do ferro ao betão, e o diálogo entre arquitetura e performance tem sido fascinante". A colaboração com a Universidade do Porto e o Instituto de Artes do Porto assegura residências conjuntas, oficinas e conferências abertas ao público.
Mais a sul, em Sines, o ART in Silo nasceu em 2024 por iniciativa da Câmara Municipal e de colectivos independentes de criadores de vídeo e dança contemporânea. Localizado nos antigos armazéns de sal, o programa aposta em residências de curta duração (entre quatro a seis semanas) e numa forte componente de intercâmbio: alunos do curso de Artes Performativas da Universidade do Algarve têm ali estágio curricular.
Impacto nas Comunidades Locais e na Economia Criativa
A chegada destas residências tem dinamizado a economia das cidades portuárias. Em Lisboa, os bairros ribeirinhos de Alfama e Santos assistem à abertura de pequenas galerias e cafés colaborativos, muitos geridos por ex-residentes dos programas. Em Matosinhos, o Observatório da Economia Criativa da Universidade do Minho aponta para um aumento de 15% na procura de alojamento local e de 22% no consumo em restauração nos primeiros seis meses após a reabertura dos silos.
Em Sines, os habitantes de Porto Covo e Vila Nova de Milfontes testemunham um fluxo crescente de visitantes atraídos por performances ao pôr-do-sol na antiga doca de sal. O empresário local Pedro Santos, proprietário de um pequeno hostel, confirma: "Passámos de 40% de ocupação sazonal para praticamente lotação esgotada durante os eventos do ART in Silo".
Do ponto de vista académico, há parcerias consolidadas: o mestrado em Gestão Cultural da Universidade do Porto promove workshops anuais em Lisboa, convidando curadores de renome como Helena Costa, diretora artística do Festival Caminhos do Cinema em Coimbra, a partilhar estratégias de curadoria e financiamento.
Desafios e Perspetivas Futuras
Apesar do entusiasmo, existem entraves que não podem ser ignorados. O licenciamento de obras em áreas classificadas como património industrial arrasta-se por meses junto da Direção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo. Os custos de manutenção dos edifícios – muitos deles com sistemas elétricos centenários e vedações metálicas em degradação – são ainda suportados maioritariamente por mecenato privado e fundos pontuais do Portugal 2030.
A diretora da DGArtes, Ana Ribeiro, sublinha a necessidade de criar um modelo de sustentabilidade a longo prazo: "Precisamos de incluir as residências na rede Eurocities Cultural Forum e assegurar candidaturas regulares aos programas Erasmus+ e Creative Europe para garantir intercâmbio e financiamento".
Olhar para o futuro é desenhar rotas de turismo cultural que incluam visitas guiadas, residências estendidas e residências virtuais – experiências imersivas em realidade aumentada para quem não pode deslocar-se. A Associação de Turismo de Portugal já iniciou estudos de viabilidade, em parceria com a startup LisTech, para implementar audioguias interativos que cruzem arte e história industrial.
A regeneração destes armazéns portuários prova que a arte contemporânea pode ser o motor de renovação urbana, aproximando universidades, criadores e população. À medida que Lisboa, Porto e Sines se reinventam, abre-se um novo capítulo para o património industrial de Portugal.