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Mais Funerais Que Batizados: Aldeias "Fantasmas" Onde Não Nasce Ninguém Há Mais de Dez Anos Dão a Última

Zonas rurais do interior português enfrentam uma crise demográfica sem precedentes. Há localidades onde o último nascimento ocorreu antes de 2010, com populações cada vez mais envelhecidas e sem perspectivas de renovação.

Mariana Duarte Coelho Mariana Duarte Coelho Jornalista de Viagens, Lifestyle, Entretenimento e Esportes | Porttugal
6 Minutos
2025-05-19 08:25:00
Mais Funerais Que Batizados: Aldeias "Fantasmas" Onde Não Nasce Ninguém Há Mais de Dez Anos Dão a Última

A morte lenta do interior: aldeias sem berços e com muitos velórios

Nas encostas agrestes da Serra da Estrela, mais precisamente no concelho de Gouveia, sobrevive a aldeia de Folgosinho, outrora vibrante com as festas do Divino Espírito Santo, os cantares ao desafio nas noites de verão e os sons matinais das escolas cheias de crianças. Hoje, reina um silêncio cortante, apenas interrompido pelo badalar do sino a anunciar mais um velório. Não se ouve o choro de um recém-nascido desde 2009. O último registo de nascimento foi de Joana, filha de uma jovem que emigrou pouco tempo depois para Toulouse, em França, onde vive até hoje e nunca mais voltou a Folgosinho.

A escola primária encerrou portas em 2012, por falta de alunos. O posto dos CTT fechou em definitivo em 2015. A pequena mercearia local, de portas entreabertas, só abre às quartas-feiras, e mesmo assim, mais por insistência sentimental da dona Deolinda, de 79 anos, do que por viabilidade económica. Ela própria diz: “Faço isto porque gosto de ver as caras conhecidas, mas há dias em que nem um cliente entra”.

Segundo dados do último relatório da Direcção-Geral da Administração Local (DGAL), publicado em 2023, existem 42 localidades em Portugal continental onde não foi registado um único nascimento nos últimos dez anos. Mas, segundo estudos recentes conduzidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o número pode ser ainda maior, aproximando-se das 60 localidades se considerarmos aglomerados populacionais com menos de 100 habitantes.

Em algumas dessas aldeias, como Aldeia Velha (Idanha-a-Nova), Cujães (Vinhais), Quintanilha (Bragança) ou Fonte Arcada (Aguiar da Beira), a realidade é de um Portugal esquecido, que vai morrendo sem ruído. Maria de Jesus, 84 anos, é uma das últimas residentes de Aldeia Velha: “Aqui já não há crianças, nem festas, nem médico. As casas fecham-se, umas por heranças complicadas, outras porque os filhos já não voltam. Viver aqui é esperar. Às vezes, nem os funerais têm quem os chore”.

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Portugal a encolher por dentro: causas e responsabilidades

A desertificação humana do interior é uma tragédia silenciosa, mas com raízes estruturais profundas. O demógrafo António Teixeira, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, explica: “O encerramento de serviços públicos, como escolas, centros de saúde e tribunais, aliado à falta de emprego qualificado e à centralização da economia em Lisboa e Porto, empurrou milhares de jovens para fora do seu território de origem”.

Entre 2011 e 2021, Portugal perdeu cerca de 252 mil habitantes em zonas de baixa densidade, um decréscimo de 8,7%. As regiões mais afetadas foram o Norte Interior, a Beira Baixa e o Alto Alentejo. A taxa de fecundidade em concelhos como Almeida ou Mértola é inferior a 0,8 filhos por mulher – muito aquém da taxa de reposição geracional. Alcoutim, Barrancos, Carrazeda de Ansiães e Gavião são apenas alguns dos concelhos com um saldo natural (diferença entre nascimentos e óbitos) consistentemente negativo há mais de duas décadas.

Mesmo com programas como o "Empreende XXI", o "Interior +" e o "Programa Regressar", a eficácia tem sido reduzida. Apenas 2,3% dos apoios a startups atribuídos até 2023 foram para territórios de baixa densidade. Muitos dos jovens que regressam acabam por abandonar novamente os territórios por falta de serviços essenciais ou por se sentirem isolados socialmente e profissionalmente.

O caso de Diana Lopes, 32 anos, natural de Penamacor, é ilustrativo. Depois de trabalhar oito anos em Inglaterra, decidiu regressar com o marido e dois filhos pequenos. Abriu uma pequena padaria com apoio do programa Vale Empreendedorismo, mas ao fim de 18 meses teve de encerrar: “Não havia creche, não havia pediatra no centro de saúde, e vendíamos cada vez menos porque a aldeia também estava a encolher. Não conseguimos resistir”.

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Ideias novas em territórios velhos: soluções ou paliativos?

Em Casal de São João (Castelo Branco), a iniciativa "Aldeias do Futuro", coordenada pela CCDR Centro, converteu cinco casas abandonadas em residências para freelancers e artistas europeus. A ideia passa por fomentar o conceito de nómadas digitais em territórios desertificados. Ainda assim, os resultados são modestos: em 2023, apenas 17 pessoas se fixaram temporariamente na região. A maioria abandonou os projetos por dificuldades logísticas, como ligação à internet deficiente ou ausência de serviços bancários locais.

No concelho de Vimioso, foi lançado um projecto-piloto com apoio da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) para criar uma cooperativa de agroecologia que pretende atrair famílias jovens. Segundo o coordenador do projecto, Prof. Pedro Sarmento, “foram abertas quatro vagas para habitação subsidiada e trabalho na cooperativa; candidataram-se 126 famílias, mas a maioria acabou por recuar por falta de acesso a creches e escolas na zona”. As famílias que ficaram enfrentam dificuldades em garantir acesso a serviços de saúde regulares, sendo obrigadas a deslocar-se 40 km até Bragança para uma simples consulta.

O presidente da Câmara de Gouveia já disse muitos anos anos atrás, em declarações ao Deep Report News, de forma categórica: “Enquanto não houver uma discriminação fiscal e legal real para quem escolhe o interior, estas aldeias vão continuar a morrer. E isso é um falhanço colectivo do Estado. Precisamos de uma reforma administrativa que invista a sério na coesão territorial, não de paliativos para inglês ver”.

A urgência de olhar para dentro

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O drama das aldeias sem crianças não é apenas uma questão de demografia. É também uma crise de identidade nacional. É nas aldeias que resistem tradições milenares, dialectos em vias de extinção, gastronomia auténtica e relações comunitárias que já não se vêem nas cidades.

As danças do Pauliteiros de Miranda, os cantares ao Menino no Alentejo ou as festas em honra de Santa Luzia no Sabugal são muito mais do que folclore. São expressões vivas de uma cultura ancestral que corre o risco de desaparecer caso não haja populações que as mantenham vivas. O património imaterial está intrinsecamente ligado à existência das comunidades.

Num país que se quer moderno e europeu, talvez esteja na altura de perceber que progresso também significa proteger aquilo que é nosso. Porque quando a última criança nasce numa aldeia, e ninguém nota, é o próprio futuro de Portugal que começa a desaparecer.